As desigualdades e o bom combate | Artigo de Clemente Ganz Lúcio
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As desigualdades são injustiças que bloqueiam o desenvolvimento e a qualidade de vida. Combatê-las é o objetivo do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, movimento que reúne mais de 2 centenas de entidades da sociedade civil.
Há fundamento ético que sustenta essa iniciativa: o inconformismo e a repulsa à produção e reprodução das desigualdades que formam sistema articulado de injustiças. Como se trata de criação genuinamente humana, a desigualdade e a injustiça demandam, para sua superação, posicionamento político ativo e, por isso, essencialmente ético, que resulta em atitude coletiva em busca de igualdade.
O Observatório Brasileiro das Desigualdades é instrumento técnico do Pacto, responsável por monitorar 42 indicadores relevantes das diversas dimensões das desigualdades no Brasil. Na semana de 30 de agosto, ocorreu o lançamento do Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2024.
A desigualdade, em todas as suas formas, é problema estrutural que se reproduz nas dinâmicas cotidianas da produção econômica, da atividade política e das relações sociais. Superá-la é tarefa difícil, mas necessária, como revela o Relatório 2024. Políticas públicas bem direcionadas e desenhadas, além de crescimento econômico orientado pelo investimento e pelo consumo interno, têm impactos positivos significativos.
No último ano, o Relatório indicou redução de 40% na extrema pobreza, com queda ainda maior entre as mulheres negras, de 45,2%. A dinâmica econômica de crescimento reduziu o desemprego em 20%, acompanhada por aumento salarial de mais de 8%, sendo o maior crescimento entre as mulheres, 9,6%. Observou-se também aumento de mais de 12% no número de mulheres negras no ensino superior, bem como redução de 14% na maternidade entre mães de até 19 anos.
Esses e outros dados apresentados no Relatório refletem os impactos positivos que o crescimento econômico, gerador de empregos de qualidade, tem sobre as situações de desigualdade. Do mesmo modo, revelam que políticas públicas que valorizam o salário mínimo, incentivam a presença de negros nas escolas por meio de cotas e combatem a fome e a pobreza com renda básica, entre outros instrumentos, têm efeitos significativos no combate às desigualdades.”
Por outro lado, a máquina produtora de desigualdades continua ativa e poderosa. Os ricos e muito ricos detêm renda e riqueza em quantidades que lhes conferem poder econômico e político para aumentar ainda mais o patrimônio.
As regras os favorecem, seja porque pagam menos impostos, seja porque têm segurança e facilidade para expandir esse patrimônio. O Relatório indica que, no último ano, aumentou a diferença entre o rendimento médio do 1% mais rico e os 50% mais pobres, passando de 30,8 para 31,2 vezes. Mesmo com os bons resultados observados no crescimento dos salários, da massa salarial e do aumento do salário mínimo, a renda dos mais ricos cresceu mais.
Os dados também revelam problemas como o déficit habitacional de 6,4 milhões de domicílios, com grave impacto sobre aqueles que vivem de aluguel. Houve aumento de 22% nas mortes por causas evitáveis e de 16% na desnutrição de crianças indígenas.
Na cooperação entre o Pacto e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, os trabalhos continuarão com reuniões com ministérios e órgãos públicos para apresentar os resultados setoriais e discutir medidas para aprimorar políticas públicas ou criar iniciativas para enfrentar esses desafios.
O Relatório atualiza dados que revelam as desigualdades na representação política. Apenas 12% das prefeituras são comandadas por mulheres e somente 4% por mulheres negras. Nas câmaras municipais, apenas 16% dos vereadores são mulheres, 6% são negras e, em todo o País, apenas 1 vereadora se declarou indígena. Em breve, teremos nova oportunidade de mudar esse cenário!”
Assumir a luta pela redução das desigualdades deve preceder qualquer posicionamento político-ideológico, filiação partidária ou agenda temática. Não se trata de pauta exclusivamente brasileira, visto que a desigualdade persiste ao redor do mundo. Isso exige respostas coordenadas internacionalmente, como a taxação de bilionários ou a promoção da segunda etapa da Reforma Tributária no Brasil, que abordará a renda e a riqueza.
Muitos combates nos aguardam. Há bons instrumentos à disposição. Reunir forças e aumentar a capacidade de transformação estrutural é tarefa de todos.
Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do Dieese (2004-2020).