Uma refeição não é apenas sobre comida | Artigo de Carlos Guerra
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Desde os tempos do paleolítico, as refeições compartilhadas eram mais do que apenas nutrição; elas permitiam a comunicação, o aprendizado e a formação de uma sociedade
Talleyrand, também conhecido como príncipe Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, desempenhou um papel crucial como político e diplomata francês durante um período tumultuado que abrangeu desde a Revolução Francesa de 1789 até o período pós-Napoleão. Sua influência na moderna diplomacia foi fundamental para a reconstrução da Europa após a derrota da França na guerra.
Uma das características marcantes da atuação de Talleyrand era a “diplomacia da boa mesa“. Suas elaboradas refeições servidas em Paris e Londres se tornaram eventos imperdíveis para importantes figuras da época. O mérito dessa reputação recaía em Antoine Carême, o renomado “cozinheiro dos reis“, cujas criações culinárias eram a atração principal dessas ocasiões. A mesa de Talleyrand não era apenas um local para alimentação, era um espaço em que políticos e diplomatas de nações rivais podiam se reunir informalmente, relaxar e negociar acordos.
Essa importância dada às refeições remonta aos primórdios da história. Desde os tempos do paleolítico, as refeições compartilhadas eram mais do que apenas nutrição; elas permitiam a comunicação, o aprendizado e a formação de uma cultura social.
O surgimento de práticas ritualísticas em torno das refeições, evidenciado por descobertas arqueológicas em Göbeklitepe, na Turquia, sugere que alimentos e rituais de refeição acompanharam a evolução das sociedades humanas e desempenharam papéis significativos em diversas culturas e religiões — e ainda hoje com o simbólico associado à Santa Ceia cristã ou ao Ramadã para os muçulmanos.”
Na Idade Média europeia, as refeições serviam como indicadores de níveis sociais e políticos, mas também eram oportunidades para selar alianças e tratados de paz. Elas duravam horas, mais demoradas quanto mais altas na hierarquia social. A chegada da corte portuguesa ao Brasil no século 19 trouxe consigo os hábitos gastronômicos da aristocracia europeia, influenciando os padrões alimentares e as dinâmicas sociais.
É interessante observar como os hábitos alimentares continuam a refletir as hierarquias sociais e as demandas do trabalho. Enquanto as classes mais abastadas historicamente reservam tempo para refeições prolongadas e socialmente significativas, as camadas populares tendem a priorizar refeições rápidas e funcionais, sempre em torno de 30 minutos, refletindo a necessidade de atender à carga de trabalho. Isso não mudou tanto assim, com os almoços “de negócios” e os intervalos curtos para a corrida à praça de alimentação, com a saudável exceção das refeições em família nos finais de semana.
Apesar das mudanças nos padrões de consumo e estilo de vida, as refeições ainda ocupam um lugar central na experiência humana. Ao longo da vida, passamos um tempo considerável compartilhando refeições com amigos e familiares, confirmando que a importância das refeições vai além da mera nutrição. Elas representam momentos de conexão, celebração e partilha que enriquecem nossa existência.”
Deve-se registrar que a redução do tempo destinado às refeições nas metrópoles não é consequência da ampliação dos serviços de delivery e das redes de fast-food — eu analiso que é o inverso: essas inovações surgiram porque os novos hábitos e as características de vida dos centros urbanos o exigiam. Eu, pessoalmente, procuro manter hábitos de décadas da minha família, sempre almoçando em grupo e preparando em jantares para os amigos que podem durar horas.
Em uma dessas refeições com amigos, fizemos algumas contas, considerando uma pessoa saudável com 80 anos. Desses, teriam sido despendidos 28 anos trabalhando (considerando apenas dias de trabalho) e 25 outros dormindo, e ainda devemos somar mais quatro ou cinco anos (sem intervalos) para formação pessoal e profissional.
Se considerarmos que mais 10 anos se referem à infância, seriam então 63 anos, mais ou menos, compulsórios de uso do tempo. Sobrariam apenas 12 anos para “aproveitar a vida”, convivendo com a família, educando filhos, praticando esportes e em outras atividades lúdicas. Nesses 80 anos, você teria feito entre 80 e 90 mil refeições que, mesmo sendo rápidas, significam o gasto de mais uns cinco anos — isso é 40% do tempo que você dispõe para aproveitar a vida! Precisa valer a pena!
Refeições não podem ser apenas comida e, na verdade, nunca foram nestes 200 mil anos de Homo sapiens. São símbolos de identidade, cultura e convívio social ao longo dos séculos.
Carlos Guerra é fundador e, atualmente, CEO e Presidente do Conselho de Administração do Grupo Giraffas, rede brasileira de fast-food líder em refeições no País, que abrange as marcas Giraffas e Tostex. A companhia possui cerca de 10 mil colaboradores e mais de 400 restaurantes em 130 cidades brasileiras e 5 na Flórida, Estados Unidos.