Como a greve geral de 1917 garantiu as feiras livres em São Paulo | Artigo de Joana
Este artigo, com destaque para a história das feiras,
é escrito por Joana Monteleone
Editora e historiadora
No dia 9 de julho de 1917, a polícia de São Paulo (SP) matou um grevista que protestava na porta da fábrica Mariangela, no Brás. Era José Martinez, espanhol anarquista que participava de diversos protestos contra a carestia e as condições de trabalho nas fábricas de cidade. Sua morte foi o estopim para uma das mais longas greves gerais de São Paulo, que durou todo o mês de julho e alguns dias de agosto daquele ano.
A vida, normalmente difícil para os trabalhadores das fábricas, se tornara praticamente insuportável naquele ano, com o brutal aumento do custo de vida ocasionado pela 1ª Guerra Mundial – enquanto os salários subiram 71 % entre 1914 e 1923, o custo de vida havia aumentado 189%. Isso, em parte, se devia à opção dos industriais e fazendeiros brasileiros de fornecer mercadorias e alimentos prioritariamente para os países em guerra, desfalcando o mercado interno com a consequente alta de preços.
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Além disso, a polícia reprimia violentamente qualquer manifestação de desagrado, por parte dos trabalhadores, com a situação cotidiana. Policiais entravam nas casas de operários prendendo líderes e reprimindo qualquer reunião em grupo.
Primeiramente, com a morte de Martinez, jovem anarquista de família imigrante espanhola, a capital paulista parou. Martinez era arrimo de família e todos dependiam dele para sobreviver. Sua situação espelhava os diferentes e precários arranjos familiares de muitas outras famílias imigrantes da época. A identificação foi imediata. O cortejo de seu funeral percorreu uma cidade em choque, silêncio e dor – da Rua Caetano Pinto, por toda a Avenida Rangel Pestana até a Ladeira do Carmo. Tudo estava lotado, com pessoas em luto por causa da morte do jovem trabalhador.
Nos dias seguintes, o comércio fechou as portas. Não se fabricava mais pão, nem se vendia leite. O governo, apesar de intensificar ainda mais a repressão matando líderes e operários, perdeu o controle da cidade. Mesmo com o número de trabalhadores mortos pela polícia crescendo, os grevistas conseguiram emboscar alguns policiais e os mataram. O clima era terrível.
Reivindicações
Foi nesse estado das coisas que o governo resolveu negociar com os grevistas. Mas os operários, então, apresentaram reivindicações, que incluíam o aumento de salários, mas abarcaram um leque de problemas da cidade. O encontro entre governo, empresários e líderes de trabalhadores aconteceu na sede do jornal mais importante da cidade, O Estado de S. Paulo, local em que a oligarquia paulista se sentia à vontade.
Entre as muitas reivindicações políticas dos grevistas, reunidos em torno do Comitê de Defesa Proletária, um dos pontos fundamentais foi o congelamento dos preços dos bens alimentares e o aumento e a fiscalização dos mercados e feiras livres da cidade. Entendia-se, na época, que as feiras eram os locais mais apropriados para se comprar alimentos e que, portanto, deveriam ser ampliadas – em número de ruas e bairros atendidos, bem como em tamanho e número de feirantes –, além de fiscalizadas pelo poder público, para que os alimentos chegassem com preço acessível à população.
São Paulo
São Paulo havia sido uma das primeiras cidades do País a ter feiras livres, que foram regulamentadas em 27 de novembro de 1909, pelo Decreto Nº 28, de autoria do vereador José Oswald. Em 1917, portanto, fazia poucos anos que a feira fazia parte do cotidiano de abastecimento da cidade. Do início, as feiras tornaram-se extremamente populares – eram um lugar onde se podiam comprar e vender alimentos com preços acessíveis, muitas vezes direto dos pequenos produtores da cidade.
Em síntese, desde a Idade Média, os espaços de feira sempre se caracterizaram por essa mistura de gente, comida, encontro e festa. A palavra vem do latim e está relacionada a feriado. Garantindo a feira em suas reivindicações, os grevistas, além de espalhar pela cidade uma maneira de vender popular, construíram um espaço de encontro, sociabilidade e liberdade.
Joana Monteleone é editora e historiadora. É autora dos livros Toda Comida Tem uma História (Oficina Raquel, 2017) e Sabores Urbanos – Alimentação, Sociabilidade e Consumo (Alameda Casa Editorial, 2015)