Coragem, firmeza, espírito público | Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira
Artigo do Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira
O mundo e cada país enfrentam hoje uma crise imensa. Uma crise que atinge todo o globo terrestre, mas que terá que ser enfrentada em cada país. Em cada estados-nação. Não poderá ser resolvida pelo mundo, porque mundo não tem um estado. São as nações que têm cada uma o seu estado – tem um sistema constitucional-legal e a organização formada por políticos e servidores com poder para executar as leis e demais políticas públicas. Que em um momento de alta gravidade como o que estamos vivendo, são fundamentais.
No Brasil estamos finalmente caindo na realidade. O PIB não crescerá zero nem será negativo em 1%. Tomando-se o cálculo da The Economist Intelligence Unit, a recessão deverá ser de 5,5% neste ano. Número pesado de significados. Significa desemprego, significa fome dos mais pobres, significa quebra de empresas, significa empobrecimento geral, significa ansiedade generalizada, sofrimento.
O estado é a instituição de que dispomos para enfrentar essa dupla crise, sanitária e econômica. Um estado cujo governo está hoje entregue a um homem sem condições mínimas para enfrentar o problema. Mas esse estado não está paralisado. Os governadores, os deputados, os senadores, os ministros do Supremo, os ministros do governo, os juízes, os servidores estão todos trabalhando, fazendo o que podem.
Chamo, porém, atenção para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Entre os economistas do governo lutando contra o coronavírus ele é a figura mais extraordinária. Foi ele que endossou a estimativa que a recessão será de 5,5% neste ano. Hoje (3/4), no Valor, ele acentua o caráter “altamente recessivo” da crise. Falando aos ministros do TCU, ele ressaltou que a violenta queda no preço das ações terá um forte efeito-pobreza que dificultará qualquer retomada. E observou como é importante nesse momento que o Brasil tenha as reservas que tem.
Mas, para o estado e seu governo poderem agir ele terá que entrar em elevado deficit público – fato que evidentemente travou a ação do Ministério da Economia em um primeiro momento. Mas vendo a gravidade da dupla crise, o ministro Paulo Guedes corrigiu o rumo e afirmou que gastaria o que fosse preciso. Ótimo.
Nelson Barbosa, escrevendo hoje (3/4) um excelente artigo na Folha, comemorou o fato de que muitos economistas estão concordando que é preciso incorrer em um deficit maior. Ótimo novamente. Mas será que o governo aumentará com tranquilidade a dívida pública o tanto quanto é necessário?
Foi diante dessa pergunta que, no dia 26 último, propus que o governo aprovasse uma lei para iniciar um processo de “quantitative easing”, de emissão de moeda para a compra pelo Banco Central de títulos públicos, para financiar a despesas excepcionais que estão sendo necessárias para enfrentar a crise sanitária e a crise econômica.
Fiz esta proposta sem saber que o Banco Central estava patrocinando uma emenda constitucional (não basta lei, ao contrário do que pensei originalmente) nessa mesma direção.
Mas a PEC está sendo desidratada no Congresso enquanto já surgem economistas advertindo contra os perigos inflacionários da medida.
São economistas que ainda não aprenderam que moeda não causa inflação – o máximo que ela faz é sancionar a inflação que está em curso garantindo o nível de liquidez da economia.
Foi isto que os economistas brasileiros mostraram quando, na primeira metade dos anos 1980, desenvolveram a teoria da inflação inercial. Para enfrentar esta dupla e imensa crise nós precisamos coragem, firmeza e espírito público. Precisamos de espírito público para agir em função do interesse da sociedade e não do interesse individual. Precisamos ser republicanos, defender as virtudes cívicas.
E, nesta hora, as duas virtudes cívicas maiores são a coragem e a firmeza. Não está na hora de deixar para depois, de empurrar com a barriga, de titubear, de se encolher. Precisamos de firmeza para tomar todas as decisões necessárias e para executá-las.
A execução também é importante.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é Professor emérito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) onde ensina economia, teoria política e teoria social. Foi Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado.