Gestão metropolitana: urgente, complexa, mas não impossível | Artigo de Rosa Moura e Olga Lúcia

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Quem vive em uma metrópole sabe que seu cotidiano é marcado por deslocamentos em muitas direções para atividades como trabalhar, estudar, acessar serviços ou consumir, frequentemente cruzando limites municipais. Também cruzam esses limites a água para abastecimento e os alimentos produzidos em municípios vizinhos e os resíduos gerados em vários municípios e depositados em um deles.

Tanto a população em movimento quanto os fluxos das redes de abastecimento e serviços se deparam com o dilema de políticas públicas incapazes de atender às suas necessidades, pois muitas se encerram nos limites de um município.

As metrópoles devem ser compreendidas por uma visão que considere a integração de um conjunto amplo de municípios que formam um território único, com problemas e demandas comuns, mas com governos municipais diferentes. Isso requer articular em torno de uma realidade supramunicipal interesses e decisões que têm no município sua unidade político-administrativa.

O Estatuto da Metrópole (lei federal 13.089/2015) reconhece que a realidade metropolitana deve ser observada em seu conjunto, por meio das Funções Públicas de Interesse Comum (FPIC), definidas como a política pública ou ação nela contida, cuja implementação não se viabiliza a partir de um único município – caso das políticas de mobilidade urbana, saneamento e mesmo moradia.

Como instrumentos para a gestão das FPICs são previstos o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) e a governança interfederativa, com ações que perpassem os três níveis de governo. São instrumentos legítimos para enfrentar o desafio da gestão metropolitana, pois garantem a pactuação entre estado, municípios e sociedade, contribuindo em políticas que promovam melhoria no viver na metrópole.”

Um PDUI formulado e implementado com participação dos segmentos da sociedade e instâncias de governo que compõem a metrópole permitiria pensar uma cidade sustentável, na perspectiva metropolitana; prover equipamentos urbanos, transporte e serviços públicos à escala metropolitana; promover o ordenamento e controle do uso do solo, de modo a superar os interesses específicos de um município; e criar mecanismos para a gestão democrática metropolitana, ou a gestão plena e participativa, como dispõe o Estatuto.

Estamos avançando nessa direção? Dois sinais recentes mostram que devemos ficar alertas.

Um deles está na compreensão do metropolitano expressa na organização administrativa federal e que pode se impregnar nas futuras políticas urbanas. O recriado Ministério das Cidades se compõe de cinco secretarias, entre as quais o “metropolitano” aparece apenas como uma palavra agregada, para que ninguém diga que não se tratou do tema. Vem após o “urbano” no nome da Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano, e de seu Departamento da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano.

Outro sinal é percebido na lei 21.353, de 1º de janeiro de 2023, que cria a Agência de Assuntos Metropolitanos do Paraná e, para sua operacionalização, extingue a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), a quem caberia a construção prevista do PDUI da Região Metropolitana de Curitiba.”

Sobre o plano, depara-se no site da agência que nenhum avanço se aponta, pois a participação em audiências públicas deverá ocorrer apenas na fase 3 do processo, passadas as fases da mobilização inicial, mapeamento dos atores, definição dos objetivos, temas, metas, prioridades e horizontes, quando se construirá a visão de “que metrópole queremos”. Mais uma vez, a população metropolitana estará ausente da essência do processo, sendo chamada apenas para referendar decisões alheias e cumprir uma formalidade da lei.

Pensar a metrópole em um projeto renovado de Reforma Urbana implica em suprir as lacunas abertas pela inexistência de políticas metropolitanas, pela incompatibilidade dos mecanismos e instrumentos de gestão, sejam locais ou regionais, pelos embates de poder entre esferas administrativas e sociedade.

Para isso, é urgente romper o descaso para com o Estatuto da Metrópole, que já teve revogados prazos e penas dispostas em seu conteúdo, e fazer valer seus princípios e os dispositivos qualificados que ainda restam.”

Se, cada vez mais, parte considerável da população vive em metrópoles, é fundamental que sejam fortalecidos os instrumentos e meios de participação, compreensão e intervenção nessa escala. Um olhar ampliado para além do município é condição para a inovação em termos de políticas urbanas e, em especial, para que o metropolitano não se resuma a uma palavra, como que para não dizer que não falei das flores…

Rosa Moura é doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles, Núcleo RM Curitiba.

Olga Lúcia Castreghini de Freitas é professora titular aposentada do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisadora do CNPq e do INCT Observatório das Metrópoles, Núcleo RM Curitiba.

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