Não existe ideologia de esquerda ou direita, o poder sempre será avassalador
Famílias brigadas. Irmãos sem se falar. Amigos de anos com amizades rachadas. Uns dizem que são de esquerda. Outros de direita. Alguns nem se manifestam com medo das reações alheias. Após a vitória de Jair Messias Bolsonaro, com mais de 55% dos votos válidos, esse é o quadro do atual momento do País, vivido intensamente desde quando Dilma Rousseff venceu Aécio Neves nas urnas, em 2014.
Mas enquanto esses debates acalorados ganham cada vez mais forças, desfazem amizades e causam confusões irreparáveis, o poder não vê ninguém pela frente. Aliás, o poder toma decisões rápidas quando lhe interessa, decide por si só, manipula qualquer situação e sempre passará como um rolo compressor nos interesses coletivos da sociedade, seja de “esquerda ou de direita”.
OS FATOS COMPROVAM ESSA REFLEXÃO
Terça, dia 6 de novembro de 2018
Ocorre um encontro entre o presidente Michel Temer, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), e o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli.
Após a reunião, Eunício aprova um requerimento extrapauta para incluir o reajuste salarial dos ministros do STF na pauta do dia seguinte, dia 7. Detalhe: a matéria já havia sido passada adiante pela Câmara dos Deputados e estava parada desde 2016.
Quarta, dia 7 de novembro de 2018
Por 41 votos a favor, 16 contra e uma abstenção, o Senado Federal aprovou o reajuste salarial dos ministros do STF. Os salários já elevados vão subir mais ainda, de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil. Logo em seguida, foi aprovado também um aumento no mesmo valor para o procurador geral da República, em votação simbólica.
Cálculo realizado pelas consultorias Orçamento da Câmara e do Senado mostra que o impacto anual nas contas públicas pode ser de R$ 4 bilhões. Alguns senadores, espontaneamente ou forçadamente, afirmaram que estavam votando no escuro, em razão do projeto surgir repentinamente.
A decisão do Senado gerou grande revolta de uma imensa parcela da população. Até surgiu a #vetatemer, a fim de que o presidente Temer não sancione o aumento dos ministros do STF. Enquanto se discute mudanças profundas na estrutura brasileira, com a eleição de Bolsonaro, o Congresso Nacional ativa sem pudor as velhas práticas, com ações sempre sensíveis unicamente ao poder e contra aqueles inflamados no debate incansável de “esquerda e direita”.
O GOLPE DO 18 BRUMÁRIO
ANSEIO PELA MANUTENÇÃO DO PODER A TODO CUSTO
De 1795 a 1799, o novo governo republicano, chamado de Diretório, volta ao poder a fim da burguesia girondina retomar o controle do processo. Os jacobinos foram perseguidos enquanto o governo enfrentava o agravamento das tenções, gerado pela inflação, especulação e corrupção. O medo do radicalismo fez a burguesia se aproximar do exército, mais precisamente de seus generais.
Nesse momento de aflição e medo surge Napoleão Bonaparte. Sua fama corria em razão das batalhas que liderou no exército francês no exterior, em 1796 na Itália e em 1798 no Egito. Enquanto Bonaparte guerreava, na França, se instaurava uma imensa agitação política e a desordem financeira provocava uma atmosfera de crise. Toda a situação adversa promoveu a volta de Napoleão rapidamente ao seu país.
Quando Napoleão chegou à França, em outubro de 1799, existia um grande processo de conspiração contra o governo do Diretório. Existia um convencimento de que apenas uma liderança firme poderia conter as controvérsias e alguns políticos tramaram para tomar o poder e estabelecer um Executivo forte.
Com isso, a figura de Bonaparte se encaixava perfeitamente nos anseios dos conspiradores, pois ele contava com grande aceitação popular e tinha o apoio do exército. Com essa convicção, foi executado o golpe do 18 Brumário, que encerrou o governo Diretório, iniciando assim uma ditadura militar liderada por Napoleão.
Assim, os burgueses, o tempo todo por trás disso tudo, encontraram uma forma de preservar sua riqueza e influência social.
TEMER, EUNÍCIO E JUCÁ
Estranhamente, quase ao fim de seus mandatos, até porque o presidente Temer, Eunício de Oliveira e Romero Jucá (ambos senadores) não terão mais foro privilegiado, aprova-se uma proposta de reajuste salarial justo aos ministros do STF, autoridades responsáveis por decisões importantes no País nos últimos anos ao deflagrarem sentenças aos infratores políticos. Mais curioso ainda é que o projeto estava parado desde 2016.
Lembre-se que essas autoridades políticas foram grandes articuladores da derrubada da então presidente Dilma Rousseff, não foram reeleitos e são investigados na operação Lava Jato. Talvez, como ainda estão no poder, tentam agradar o judiciário com esse mimo, de mais de 16% para 2018 e, provavelmente, mais 16% para 2019. Talvez, Temer, Eunício e Jucá aprenderam com a burguesia francesa na época de Napoleão, que encontraram uma forma de preservar sua riqueza, inclusive a influência social conquistada com muita estratégia nos últimos anos em Brasília.
Portanto, não existe ideologia de esquerda ou direita,
o poder sempre será avassalador.