O mundo pós-Covid-19 | Uma segunda chance para se organizar a governança global

O mundo mudou, mas ainda não se sabe se para melhor ou pior. A pandemia está sendo descrita como a maior ameaça à paz, à segurança e ao desenvolvimento global desde a 2ª Guerra Mundial.

O foco, no momento, está em responder às emergências de saúde, econômica e de manutenção da infraestrutura básica para as cidades funcionarem.

Porém, é importante também pensar sobre como a Covid-19 impacta a governança global, a ação coletiva e a capacidade do Estado. Divido aqui pontos para essa reflexão.

Pontos

O primeiro é que a Covid-19 é um lembrete do papel central dos estados-nação e das cidades como primeiros socorristas. As pessoas recorrem aos seus governos — e não ao setor privado — em tempos de crise.

Onde os governos estavam bem preparados e deram respostas rápidas e eficazes, o contrato social — um acordo entre governantes e governados pelo qual abrimos mão de uma parte de nossa liberdade individual em troca da promessa de proteção — foi reforçado.

Onde não estavam, a confiança de seus cidadãos foi abalada. Além disso, o vírus está revelando as tensões ideológicas entre governos centrais populistas que jogam para suas bases, e governos subnacionais que têm seguido a ciência para tentar proteger os cidadãos.

Segundo

A pandemia está destacando as falhas da cooperação global e a importância das respostas internacionais e regionais. O compromisso com o multilateralismo já estava se deteriorando antes do surto da Covid-19, e o preço disso está sendo alto.

Pensar as bases éticas e políticas de uma nova governança global é mais urgente do que nunca. Aumentar a eficiência e renovar a confiança no sistema das Nações Unidas e em organizações regionais é essencial. Lideranças responsáveis de diferentes gerações, em governos, empresas e sociedades civis serão centrais para essa reflexão.

Terceiro

O surto atual está iluminando as acentuadas desigualdades que precisam ser enfrentadas. Os países ricos estão lutando para responder à pandemia.

Ainda não se sabe o quão mais grave a crise será em nações de baixa e média renda, especialmente para os 1,2 bilhão de pessoas que vivem em favelas.

Pode-se esperar alta mortalidade e morbidade, mas também agitação social quando os preços dos alimentos começarem a subir. A correção da desigualdade é, juntamente com a ação climática, uma das questões definidoras do nosso tempo e deve ser prioritária em qualquer agenda pós-Covid-19.

Quarto

A pandemia também está levantando questões-chave sobre como gerenciar a privacidade e as liberdades civis durante e após a crise. Novas tecnologias estão sendo fundamentais, mas há riscos.

Os sistemas de vigilância têm um lado obscuro e podem restringir a privacidade e minar as liberdades civis. Existe o risco dessas ferramentas continuarem sendo usadas após o término da pandemia. O equilíbrio entre saúde da população e liberdades civis e direitos humanos precisa ser debatido.

Por fim, volto ao meu primeiro ponto. Precisamos garantir que as lições “certas” sejam aprendidas e transmitidas sobre a pandemia.

Há uma guerra de narrativas em andamento sobre qual governo (e, por extensão, qual sistema) respondeu melhor à crise.

O que se sabe até agora é que os governos abertos, que agem rapidamente, que investem na prevenção, que se comunicam com o público e que valorizam salvar vidas e mitigar os efeitos econômicos tendem a ser os mais bem-sucedidos.

Mas há também o risco de a pandemia reforçar a mensagem errada. Na Hungria e nas Filipinas, já estão adotando abordagens mais repressivas e que violam os direitos, suspendendo liberdades civis, adiando eleições e impondo lei marcial.

No Brasil e nos EUA, os presidentes têm usado a crise para radicalizar ainda mais suas bases fanáticas de apoio, ao preço de muitas vidas.

A Covid-19 deve ser encarada como uma segunda chance de organizar a governança global, nacional e subnacional voltada para o interesse público. Não haverá uma terceira.

Ilona Szabó de Carvalho é empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.

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