Sucateamento do SUS no Brasil é problema de suas raízes

Lucas Ricardo
Jornalista da Agência de Comunicação Grita São Paulo

O debate sobre a qualidade do SUS (Sistema Único de Saúde), em todos os seus aspectos, se arrasta por anos. Contudo, será mesmo que há uma gestão ruim? Os problemas estão nos profissionais? Com uma breve pesquisa sobre sua origem e dados comparativos e de análise do funcionamento, vamos descobrir irregularidades mais intrínsecas.

HISTÓRIA

Conforme a Constituição Federal de 1988 (CF-88), a “Saúde é direito de todos e dever do Estado”. Assim foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele abrange desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país.

No período anterior a CF-88, o sistema público de saúde prestava assistência apenas aos trabalhadores vinculados à Previdência Social, aproximadamente 30 milhões de pessoas com acesso aos serviços hospitalares, cabendo o atendimento aos demais cidadãos às entidades filantrópicas.

FALTA DE MANUTENÇÃO

Segundo Lígia Bahia, médica sanitarista, graduada em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestra e doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, o desenvolvimento de um projeto para o Sistema Único de Saúde – SUS ficou “no meio do caminho”.

“O SUS ficou no meio do caminho, tornou-se um consenso, setores à direita e à esquerda o incluem obrigatoriamente em suas plataformas políticas e eleitorais. Mas o consenso não é em torno do SUS constitucional e sim de ações assistenciais para os pobres (definidos como os que não podem pagar). Esse consenso, contudo, tem matizes. Por exemplo, medicamentos caros devem ser gratuitos para ricos e pobres. E os serviços de excelência da rede SUS também devem admitir ricos, inclusive aqueles que podem passar à frente na fila. Portanto, uma metáfora sobre a situação do SUS é a de um abrangente e generoso projeto que ficou de pé, porém foi destituído dos conteúdos universalistas e democráticos originais”, disse em entrevista para o site Rede Brasil Atual – 2017.

O SUS é mesmo mal gerido? Segundo dados oficiais, há diversos aspectos que contrapõem esse argumento. Tais como a comparação do gasto catastrófico em saúde. Este índice é definido como o dispêndio em saúde que excede um percentual pré-definido dos gastos totais ou da capacidade de pagamento do domicílio. Em 2011, o Brasil ficou entre os índices mais baixo da América Latina. Veja:

Além disso, o direcionamento dos recursos ser inadequado. Por exemplo, temos poucos médicos, e os que temos estão mal-distribuídos no Brasil, exigindo, portanto, maiores salários. A média são de dois médicos por mil habitantes, isso levando em consideração as capitais. Isolando a pesquisa na Região Norte, a média cai para 1,16 médicos por mil habitantes.

HISTÓRICO DE FINANCIAMENTO DO SUS

A responsabilidade financeira do Sistema em sua origem competia à Seguridade Social, conforme a Constituição Federal de 1988.

  • . O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
  • 2º I– no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15%.

No ano 2.000, a Emenda Constitucional 29 (EC) desvinculou os gastos do SUS à Seguridade Social e atrelou ao PIB (Produto Interno Bruto). A medida gerou crescimento pouco dinâmico do SUS, porém não houve aumento suficiente frente às necessidades crescentes.

Em 2012, houve uma regulamentação da EC 29, por meio da Lei Complementar 141. Em suma, já vigorava o reajuste da parcela da União pelo PIB nominal do ano anterior ao da lei orçamentária. Assim, ficou estabelecido que aos estados caberiam transferir à Saúde no mínimo 12% da receita tributária e aos municípios, 15%.

HISTÓRICO DO REPASSE DE VERBAS

Eis outro ponto em decadência por parte do Governo. Em 1995, os gastos federais em saúde representavam 11, 7% da receita corrente bruta da União, em 2011, somavam apenas 7,5% da mesma base (tabela abaixo).  As perdas acumuladas ao longo dos anos 2000 somam cerca de R$ 180 bilhões de reais, na comparação entre a indexação à receita corrente bruta e á variação do PIB nominal.

Sobre o posicionamento dos últimos governo em relação ao incentivo dos planos de saúde, Lídia afirma:

“(…) fizeram um imenso desfavor para a saúde pública ao considerá-la assessória ao setor privado. Os governantes ignoram propositalmente todo o conhecimento acumulado sobre o tema e, sustentados no senso comum, terminam por acreditar que o SUS original é uma bobagem de uns tantos sanitaristas. Daí a estimular objetivamente o setor privado é um pulo.

As consequências são tenebrosas, vão desde a constituição de grandes grupos econômicos no setor assistencial, financeirização da saúde e até a corrupção e a perda de quadros sanitaristas para o setor privado. Houve liberação de créditos, empréstimos e políticas públicas que alavancaram grandes negócios e em troca de financiamento de campanhas. Um processo avassalador que carrega consigo a perspectiva de melhores salários do que os praticados no setor público e, portanto, sequestra não apenas quadros técnicos, mas também influencia o modo de pensar e as práticas da saúde pública.

Um detalhe que não deve ser negligenciado é o atendimento de autoridades públicas em dois hospitais privados localizados em São Paulo. A existência de unidades de saúde exclusivas para ricos, com tão alto grau de segregação, não é uma jabuticaba, mas é uma característica de países de renda baixa com regimes autoritários”.

PROVAS

Dados confirmam a fala de Lídia. O gasto em saúde privada é maior do que na pública. Além disso, temos hospitais que causam mais gastos que lucros. Isso porque hospitais com poucos leitos não se sustentam. Em contrapartida, hospitais de alta escala, com maior número de leitos, apresentam maior eficiência.

LIGAÇÃO COM A PREVIDÊNCIA

Segundo publicação da Agência Senado, em 23 de junho de 2018, o sucateamento do SUS afeta diretamente a Seguridade Social. Ela tem sido apontada como deficitária, no entanto, os debatedores apontam que a previdência não está sem orçamento. Mas um estudo realizado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência aponta um superávit da previdência. Entre 2000 e 2015, foi um total de R$ 821 bilhões. Se atualizado pela taxa Selic este valor seria de R$ 2 trilhões no ano passado.

Além disso, o estudo ainda aponta que, nos últimos 20 anos, deixaram de entrar na previdência o equivalente a R$ 3 trilhões. Tudo devido a sonegações e desvios. “Teremos um superávit permanente desde que parem de roubar e sonegar a previdência”, afirma o senador Paulo Paim (PT/RS).

É importante destacar a defesa do SUS, principalmente pela condição de desigualdade estabelecida no país. Eis aí um assunto que deveria ser prioridade de todos os governos do Brasil, desde a criação do Sistema. Um sonho? Talvez sim. Mas cabe a todos nós contribuir para conscientização da população. Por fim, uma fala do conselheiro nacional de saúde Fernando Zasso Pigatto durante a audiência pública Seguridade Social nos 30 anos da Constituição Federal:

“Temos de lutar contra qualquer ameaça ou retrocesso na saúde. Para o CNS, é prioridade ampliar a mobilização para revogar a EC 95/2016, que congela os investimentos em saúde por 20 anos. Quando a população se torna protagonista da sua história conseguimos avançar”.

 

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