Transformações no mundo do trabalho exigem respostas inovadoras | Artigo de Clemente Ganz Lúcio
O mundo do trabalho passa por múltiplas e profundas transformações com intensos impactos sobre os empregos e as formas de ocupação laboral; sobre a quantidade, os tipos e os conteúdos dos postos de trabalho; sobre as profissões, seus conteúdos e a pertinência da sua existência; sobre os conteúdos, métodos e atualização da educação e formação profissional; sobre as habilidades necessárias para trabalhar nos novos contextos; sobre as formas de contratação e de inserção laboral, que passam pelo assalariamento clássico, às várias formas de trabalho autônomo e por conta própria, ao contrato intermitente, por prazo determinado ou eventual, aos vínculos mediados por plataformas e aplicativos, a pejotização, uberização, entre outros.
A ampla flexibilidade da jornada de trabalho, composta de uma miríade entre as micro jornadas de poucos segundos que, de maneira intermitente, se somam às jornadas de mais de 15 horas diárias durante 7 dias por semana; sobre diferentes formas e critérios de remuneração e de direitos laborais; sobre as formas de proteção laboral, social, previdenciária e sindical e, principalmente, a ampliação das formas de desproteção laboral, social, previdenciária e sindical. Rotatividade, informalidade, múltiplos vínculos laborais, vulnerabilidade, precarização, adoecimentos, medo, insegurança, estresse, ansiedade, depressão caracterizam esse novo mundo do trabalho.
Essas transformações no mundo do trabalho ganham rapidamente dimensões globalizadas e estão se acelerando e expandindo. A crise sanitária da Covid-19 impactou a economia em todo o planeta e ensejou medidas que aceleraram essas modificações no mundo do trabalho.”
Essas transformações acontecem porque há mudanças profundas e disruptivas na estrutura e nos fluxos do sistema produtivo e na base do sistema econômico. Há também mudanças culturais fundamentais no sentido da igualdade entre homens e mulheres, na forma de exercer a liberdade aplicada em diferentes escolhas para a vida, na maneira de as pessoas se inserirem na economia, no acesso e circulação das informações e do conhecimento; a expectativa de vida aumenta e ocorre a queda da taxa de natalidade; tudo isso impacta a organização da sociedade e as relações sociais, com novas demandas de serviços e produtos aparecendo e inovadoras ofertas que aumentam a cada dia. Há ainda as ondas do tsunami ambiental que a humanidade tem provocado, que está alterando o clima e colocando em risco todas as formas de vida no planeta, exigindo também respostas inovadoras.
As transformações sempre existiram porque fazem parte da essência da vida em todas suas dimensões, inclusive na econômica, como revelam as 3 revoluções industriais no último século e meio. Na atualidade histórica está em curso o processo da 4ª revolução tecnológica, com impactos em todo o sistema produtivo, ao mesmo tempo que ocorrem profundas mudanças culturais cujas extensões são múltiplas e totalizantes.
A profundidade dessas mudanças tem caráter disruptivo, abandonando rapidamente o velho mundo, que vai perdendo predominância e hegemonia. O novo mundo emerge com a velocidade acelerada e efeitos que se distribuem em todas as direções.”
Para uma agenda que debate e delibera sobre as escolhas feitas no presente em relação a esse conjunto de transformações, é fundamental compartilhar a capacidade de prospectar as possibilidades de futuro, orientando cada escolha atual pelo sentido daquilo que se quer construir, dos problemas a serem superados, indicando claramente aquilo que não se quer promover e produzir.
Esse debate deve ser instruído por muita informação e conhecimento qualificado, por amplo processo de debate que compartilhe projetos de formas de vida coletiva que expressem a condição humana que se quer promover, bem como considere os limites físicos e climáticos do planeta Terra, que indique a missão de considerar os habitantes da Terra como uma comunidade planetária, que preserva todas as formas de vida, inclusive a nossa.
Nessa agenda que prospecta o futuro e cria compromissos no presente, há que se colocar como elemento constitutivo de um projeto de desenvolvimento e de sociedade a dimensão do trabalho como direito universal de participação de todos na produção econômica e de acesso ao produto social do trabalho.
Há que se entender que a tecnologia é inteligência, conhecimento e trabalho humano aplicado na forma de máquina, ferramenta e processo produtivo, cujas escolhas nos processos de inovação e no seu compartilhamento têm uma dimensão fundante essencialmente política.”
Ou seja, cabe à sociedade, por meio dos meios de que dispõe e cria para o diálogo social deliberativo, tratar das inovações, dos seus avanços, reflexos, usos e analisar seus impactos, fazendo escolhas de melhores caminhos, de perspectivas e de projetos.
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, consultor,
professor e assessor das centrais sindicais.