Um retrato da violência contra as mulheres no Brasil | Artigo de Jaceguara Dantas da Silva

“Não é não” é mensagem que ecoa, para todos nós, como um chamado à ação

Não é exagero dizer que o Brasil está entre os países mais violentos do mundo. Diariamente, somos impactados por estatísticas com números alarmantes. Segundo o Estudo Global sobre Homicídios de 2023, divulgado pela ONU, o Brasil atingiu o ápice do ranking mundial de homicídios, considerando o volume total de casos.

E, embora 81% das vítimas sejam homens, as mulheres representam 54% das mortes em contextos domésticos e 66% das vítimas de homicídios perpetrados por parceiros íntimos.”

Não podemos ignorar os dados complementares do Atlas da Violência 2023, que, de acordo com estudo realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela um aumento de 4,72% na taxa de homicídios femininos em lares brasileiros entre 2011 e 2021. Nesse contexto, as mulheres negras enfrentam um risco 1,8 vez maior, dado que reflete a interseccionalidade de gênero e raça nas estatísticas de violência.

Não terminam aqui as estatísticas preocupantes: o 17º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2023, relata um recorde de 74.930 casos de estupros em 2022, destacando que mulheres são quase a totalidade das vítimas (99%), sendo que 56,8% são negras e, mais da metade, menores de 14 anos.

A familiaridade entre vítimas e agressores é alarmante: 86,1% dos agressores são pessoas conhecidas das vítimas e 64,4% membros da própria família.

Não poderia ser pior? Infelizmente, a realidade pode ser ainda mais grave. Os dados mencionados referem-se exclusivamente aos casos oficialmente reportados aos órgãos competentes. Se levarmos em conta o número potencial de mulheres que sofrem assédio e violência e que não registram denúncias, seja por medo, coação ou falta de acesso aos meios de proteção, o cenário torna-se ainda mais assustador. 

Não podemos deixar de citar, entretanto, que cresceu também o volume de diretrizes e ações de enfrentamento da violência contra as mulheres. No ano passado foram sancionadas:

1 – a lei 14.717/2023, que institui a pensão especial aos filhos e dependentes menores de idade que ficaram órfãos em decorrência do crime de feminicídio;

2 – a lei 14.713/2023, que proíbe a guarda compartilhada de crianças e adolescentes quando houver risco de violência doméstica ou familiar;

3 – a lei 14.682/2023, que cria o selo “empresa amiga da mulher”, para celebrar empresas que adotem práticas para inclusão de profissionais mulheres vítimas de violência doméstica e familiar; 4 – a lei 14.674/2023, que permite a concessão de auxílio-aluguel quando a mulher vítima de violência afastada do lar estiver em situação de vulnerabilidade social e econômica;

5 – o decreto 11.640/2023, que institui o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios;

6 – a lei 14.737/2023, que altera a Lei Orgânica da Saúde para ampliar o direito da mulher de ter acompanhante nos atendimentos realizados em serviços de saúde públicos e privados.

Não para por aí. Em agosto, num avanço significativo na proteção das mulheres, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres. Por fim, a lei 14.786, sancionada no dia 28 de dezembro, introduziu o protocolo “Não é não“, cujo objetivo é a prevenção do constrangimento e a erradicação da violência contra as mulheres em locais de entretenimento. O projeto, idealizado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), prevê que os estabelecimentos assumam a responsabilidade de monitorar e intervir em potenciais situações de constrangimento e atos de violência.

Não é não. Uma mensagem que ecoa como um chamado à ação. Um lembrete de que todas as pessoas têm a responsabilidade e um papel fundamental na erradicação da violência de gênero e na construção de uma sociedade justa, igualitária e inclusiva.

Não estamos sós. Cada voz, cada ação importa. Não é não.


Jaceguara Dantas da Silva é Desembargadora no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, é cofundadora do grupo TEZ (Trabalho Estudos Zumbi) e primeira promotora titular da Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos de Campo Grande.

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