Em comemoração aos 109 anos do Sport Club Corinthians Paulista

Diego Gomes
Bacharel em comunicação social com ênfase em publicidade e propaganda pela Universidade São Judas Tadeu e especialista em mídia, informação e cultura pela Universidade de São Paulo

Futebol é Cultura – Gaviões – Sua história, ideologia, repressão e ditadura. Uma análise construída com base em teorias de Pierre Bourdieu, Pierre Levy e Stuart Hall

Em 1969, o Brasil vivia sob uma ditadura militar. O General Costa e Silva era o presidente da república, e viviam-se tempos de linha dura. Veio o Ato Institucional número 5, que formou a censura e a repressão que se espalharam por todo o país, ainda mais pesada e feroz.

Nesse contexto histórico, no mundo do futebol o Sport Club Corinthians Paulista, time mais popular de São Paulo, passava por uma grande crise interna com mais de 15 anos sem títulos e também vivia uma época chamada de “ditadura particular”. Wadih Helu, há mais de uma década no poder, mandava e desmandava no clube. Deputado federal, usava do time para eleger-se por vários mandatos. Até que um grupo de torcedores, que acompanhava os jogos do Corinthians desde 1965, liderados por Flávio La Selva, resolveu fundar uma torcida organizada e criar um movimento de fora para dentro do clube. Esta seria a primeira torcida de time de futebol do Brasil, com esse perfil apoiada estruturalmente nos moldes dos clubes de bairro e ideologicamente nos ideais de luta por liberdade que crescia a cada vez mais no país.

Os 16 Fundadores da Gaviões da Fiel, 1969, São Paulo, Bom Retiro – Acervo da Gaviões da Fiel.

Foi em 1º de julho de 1969, que cerca de 16 jovens fundaram a Gaviões da Fiel Torcida. Este grupo tinha como objetivo principal apoiar o Corinthians em qualquer circunstância, e ajudar a derrotar a ditadura instaurada no clube e no país.

Desde então, sofriam repressões de todos os lados, pois levavam aos estádios faixas com dizeres: “Viva a revolução”. A polícia achava que a torcida do Corinthians estava “apoiando” a revolução comunista, coisa que era crime naquela época.

Este 1º de julho foi só uma data em meio à história, pois a torcida iniciou sua cami­nhada em 1967, ano em que os fundadores passaram a se reunir e irem a pratica­mente todos os jogos do Corinthians juntos.

Naquela época, Flavio de Lá Selva e Joca, que eram os mais velhos da turma, faziam reuniões constantes com os jovens e passavam instruções e direcionamentos para eles.

A Gaviões já era formadora de opinião e tinha papel fundamental em discussões acerca do Futebol Paulista. Assim, a torcida trazia discussões para seu campo de interação com outras torcidas que vinham surgindo até mesmo dentro do clube. Pierre Bourdieu, filósofo francês, descreve em suas obras o quão importante é admitir que existe no mundo social estruturas objetivas que podem dirigir, ou melhor, coagir a ação e a representação dos indivíduos, dos chamados agentes. No entanto, tais estruturas são construídas socialmente assim como os esquemas de ação e pensamento, chamados por Bourdieu de habitus:

“É na prática individual ou coletiva que são geradas as estruturas sociais – por exemplo, os campos sociais e as oposições segundo as quais eles se organizam – e que se constituem (por aprendizado) as estruturas cognitivas, os esquemas de pensamento, de percepção e de ação que orientam a prática”, (BOURDIEU, 2000, p. 48).

Fato era que a Gaviões havia se tornado uma peça fundamental para o funcionamento do Sport Club Corinthians Paulista, pois ela agora além de ser apoiadora era uma importante ferramenta de união no clube e fora dele a fim de construir campos de interação com torcidas pelo país. Se tornou um movimento cultural e político com o intuito de promover melhorias comuns ao esporte para si e para outras equipes.

“A teoria dos campos diz respeito à pluralidade dos aspectos que constitui a realidade do mundo social, a pluralidade dos mundos, pluralidade das lógicas que correspondem aos diferentes mundos, aos diferentes campos como lugares onde se constroem sentidos comuns”, (BOURDIEU, 2000, p. 48).

Nós somos a Gaviões

Quando fundada, há 48 anos, os idealizadores dessa torcida jamais imaginariam que ela chegaria onde está, e que se tornaria a maior e mais importante torcida organizada do Corinthians. Foi a primeira e única torcida que surgiu com o intuito de combater o ditador que existia dentro do time do Parque São Jorge.

No início eram poucos, que logo foram criando cada vez mais forças. De repente eram muitos, e mal cabiam na garagem da casa do seu Carlos Malfitani, na Ala­meda Santos. Tiveram então que alugar um espaço na Rua Santa Efigênia, até que finalmente conquistaram o espaço onde hoje é a sede oficial da torcida, na Rua Cristina Tomaz, 183, no bairro do Bom Retiro.

Hoje a Gaviões da Fiel figura entre as maiores torcidas organizadas do mundo, apoiando o time de forma incomparável. A torcida tem como uma das principais características seus cantos muitos deles trazidos dos desfiles da escola de samba, e, outros que fazem alusões a músicas de grande sucesso no Brasil em outros anos.

O canto entoado na torcida “Nós somos os Gaviões‘’ evidencia e nos faz pensar no termo consciência coletiva, citado por Pierre Levy, filósofo, sociólogo e pesquisador. O autor em suas obras descreve esse tipo de fenômeno como se a torcida se identificasse semelhante em meio às diferenças. Para o autor, reconhecer a inteligência dos demais indivíduos e seu potencial faz parte da inteligência coletiva. Sendo assim, não se pode menosprezar nem subjugar ninguém, seja por seu emprego, condição social, sobrenome, etc. De certa forma, todos são seres inteligentes e possuem seus conhecimentos. Segundo Pierre Lévy, quando todos pensarem desta forma, exaltando a inteligência coletiva, será dado um passo importante para o aumento do entendimento de cada um. A torcida se torna assim não somente uma torcida, mas sim um ‘’Bando de Loucos’’, nome dado aos corintianos mais assíduos.

Por que Gaviões?

A escolha do nome Gaviões da Fiel foi feito de maneira bem democrática, uma prá­tica da torcida que é seguida até hoje. Sempre que vão decidir algo, seja quem irá presidir a agremiação, ou como serão feitas as distribuições de ingressos, prevalece a democracia, a decisão da maioria. E lá em meados de 1969 não seria diferente.

Reuniram-se como de costume, na garagem do avô do Chico. E ali foram colocados vários nomes. Até que o Brasil, um jornalista que participava do grupo, fez a sugestão e explicou os motivos pelos quais ele sugeria que fosse “Gaviões da Fiel”.

“O Brasil participava dessas reuniões, e ele expôs o porquê desse nome, que era uma ave que enxergava tudo, fiscalizadora, que dava o bote na hora certa. Era tudo o que nós já fazíamos e então colocamos em votação e foi escolhido esse nome”, (Roberto Daga – fundador da torcida em entrevista para o documentário de André Klotzel, 1982).

Torcida que samba

O carnaval chegou à Rua Cristina Tomaz, número 183, lá pelos anos de 1973, atra­vés de um convite feito pela VAI-VAI, para montar uma ala e desfilar com eles. Esta ala foi ficando pequena para tanta gente que queria fazer parte. Diante disso surgiu o bloco Gaviões da Fiel, que passou a desfilar no carnaval de rua de São Paulo, a partir de um convite da UESP (União das Escolas de Samba Paulistanas).

Passados alguns anos em 1988, formou-se uma escola de samba, passando a se chamar Grêmio Recreativo Escola de Samba Gaviões da Fiel Torcida, e teve seu primeiro desfile no carnaval especial de SP, em 1989.

Desfile das Campeãs do Carnaval de 2002 – São Paulo – Sambódromo do Anhembi – Acervo da Gaviões da Fiel

São 32 anos de ao amor samba alvinegro, Ernesto Teixeira chegou à torcida ainda menino e calado. Nas idas e vindas das caravanas para acompanhar o Corinthians. Ele passou a cantar e foi convidado para puxar um samba na quadra, daí em diante não parou mais. Hoje, passados mais de 40 anos, ele com seus 52 de idade tem orgulho e gratidão em ser reconhecido como “A voz da Fiel” e ao falar até se emociona.

“Ser a voz da Fiel é uma coisa que me orgulha muito. É algo que encaro com muita alegria e muita responsabilidade. Aprendi muita técnica, mas na hora que você está na avenida o que vale mesmo é a emoção, e com o apoio da Fiel é algo inexplicável”, em entrevista para o documentário de André Klotzel, 1982). 

Hoje a escola de samba Gaviões da Fiel coleciona alguns títulos do grupo especial nos anos de 1995, 1999, 2002 e 2003 e emplacou muitos sucessos entre a torcida corintiana, canções que ainda são cantadas nas arquibancadas da nova casa do Sport Club Corinthians Paulista.

A identidade cultural da Gaviões

Para ajudar a compreender o fenômeno Gaviões da Fiel é valido analisar estudos do teórico jamaicano Stuart Hall acerca da identidade cultural na pós -modernidade. Sendo assim podemos entender os torcedores como sujeitos pós-modernos, com uma identidade formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais são representados nos sistemas culturais que os rodeiam. No caso a atmosfera do futebol e das passarelas do samba, mostra a necessidade de adaptação deste sujeito em uma sociedade que influi e é influenciada, libertando-se de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas, deslocando as identidades culturais nacionais. A Gaviões acaba criando uma identidade única, a qual todos os torcedores do Sport Club Corinthians Paulista acabam sendo nomeados como Fiel torcedores e a Gaviões da Fiel acaba sendo a escola de samba de corintianos.

Muitos apaixonados pelo Corinthians acabam sendo ainda mais impactados e assumem de vez a figura de Fiel Torcedor ao ter o contato com a torcida na arquibancada.

Bateria da Gaviões da Fiel, São Paulo, Pacaembu – Acervo da Gaviões da Fiel

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